domingo, 1 de agosto de 2010

Revisão do Plano Diretor de São Paulo gera polêmica e não avança

Revisão do Plano Diretor de São Paulo gera polêmica e não avança

Por: Terlânia Bruno

Para esclarecer os pontos polêmicos que emperram a atualização do Plano Diretor Estratégico – PDE – na Câmara Municipal de São Paulo, o Jornal Brasil Atual produziu uma série de reportagens ouvindo pessoas envolvidas nesse debate de fundamental importância para o futuro da cidade.

São Paulo - Na primeira reportagem da série, a arquiteta urbanista Lucila Lacreta explica o que é e quais os objetivos do PDE. São ouvidos também o vereador Chico Macena (PT/SP) e o vice-presidente do Sindicato da Habitação (Secovi) Cláudio Bernardes, que também enviou à Câmara Municipal uma proposta de revisão das normas.

O transporte urbano é o tema central da segunda matéria. O PDE em vigor prevê a construção de 300 Km de corredores de ônibus. Até o final de 2009 foram entregues à população apenas 86 Km. Horácio Figueira, especialista em mobilidade urbana, do Movimento Nossa São Paulo, defende que o PDE contemple a remodelação dos atuais corredores.

O Plano prevê ainda o aproveitamento de prédios desocupados e abandonados para habitações populares, as chamadas moradias sociais. Falam sobre a questão, na terceira reportagem, o arquiteto Jorge Wilheim, autor do atual PDE, o defensor público Carlos Henrique Loureiro, e o vice-presidente do Secovi, Cláudio Bernardes.

Proteção dos recursos hídricos, saneamento básico e destinação de resíduos sólidos são assuntos da quarta matéria, tratados pelo arquiteto Nabil Bonduki, ex-vereador, relator do PDE, em 2002, Carlos Henrique Loureiro, Lucila Lacreta, Chico Macena e René Ivo, do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos.

O PDE

Aprovado em 2002, na gestão de Marta Suplicy (PT) o Plano Diretor Estratégico (PDE) é a peça que define as regras de uso do solo e a expansão imobiliária no município, entre outras ações.

Com vigência até 2012, o PDE deveria ter passado por uma revisão, em 2007, de acordo com o previsto na lei 13.430. Isso não aconteceu até agora e há quem aposte que essa revisão não sai mais. Difícil em ano de eleições, mais difícil ainda em 2011, quando este Plano estará a apenas um ano de expirar.

Oposição, Defensoria, Promotoria e mais de 200 Ongs lutam contra a atualização do texto considerada por muitos, um retrocesso. Entre outros itens, a proposta defendida pelo prefeito Gilberto Kassab retira partes importantes do PDE, como o capítulo econômico e social e as macroáreas, que definem, por exemplo, áreas de preservação, de uso sustentável e de urbanização de uma determinada região.

Já foram realizadas 45 audiências públicas para discutir as mudanças no PDE. O vereador José Police Neto (PSDB), relator da revisão e líder de Kassab, arrisca dizer que talvez a revisão possa ser votada ainda este ano, em novembro ou dezembro.

O que é o Plano Diretor?


O Plano Diretor é o instrumento básico da política de desenvolvimento do Município. Sua principal finalidade é orientar a atuação do poder público e da iniciativa privada na construção dos espaços urbano e rural na oferta dos serviços públicos essenciais, visando assegurar melhores condições de vida para a população.




Por que fazer o Plano Diretor ?

Por exigência constitucional, para municípios com mais de 20.000 habitantes, o plano objetiva uma melhor qualidade de vida para todos.


Quem participa ?

O Prefeito Municipal

A população

A Câmara Municipal






Como é feito ?

Por iniciativa do Prefeito, discussão com a comunidade, para ser transformado em lei pela Câmara Municipal



O que proporciona?


O plano reflete os anseios da comunidade e indica os caminhos para uma cidade melhor.

O que se espera do Plano Diretor?


Que proponha meios para garantir e incentivar a participação popular na gestão do município

Que aponte rumos para um desenvolvimento local economicamente viável, socialmente justo e ecologicamente equilibrado.




Que apresente diretrizes e instrumentos para que os investimentos em saneamento, transporte coletivo, saúde, educação, equipamentos urbanos, habitação popular sejam adequadamente distribuídos e beneficiem toda a população



Que proponha diretrizes para proteger o meio ambiente, os mananciais, as áreas verdes e o patrimônio histórico local

Que proponha soluções para a melhoria da qualidade da gestão pública local, tornando-a mais apta a utilizar os recursos públicos e a prestar melhores serviços à população









Apenas recursos abundantes para construção de casas não resolvem os desafios das cidades brasileiras

por Raquel Rolnik

Programas federais e estaduais que disponibilizam recursos volumosos para construção de habitações populares, como o Minha Casa Minha Vida e os do CDHU (no Estado de São Paulo), são insuficientes para dar conta de enfrentar os desafios do desenvolvimento urbano nos municípios brasileiros. Veja abaixo matéria sobre este tema publicada no Jornal Valor Econômico no dia 26/07.


Prefeituras queixam-se dos gastos com infraestrutura Valor Econômico

As prefeituras de São Paulo vivem uma contradição com o reforço dos investimentos dos governos federal e estadual em moradias populares. Ao mesmo tempo em que comemoram o combate ao déficit habitacional, os municípios preocupam-se com gastos extras com infraestrutura, saúde e educação para acompanhar as moradias. Prefeitos e secretários elogiam a injeção de recursos, mas reclamam da perda de espaço na formulação de políticas para a área.

Santa Isabel, na Grande São Paulo, deve receber até o fim do ano 262 moradias da estadual Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU). Próximo ao bairro em que o conjunto habitacional está sendo construído, há apenas uma escola de ensino fundamental, que não comportará o aumento de alunos. Não há posto de saúde, nem linha de ônibus. O bairro não tem água tratada nem esgoto canalizado. A prefeitura ficou responsável pelo tratamento de esgoto e da captação de água dentro do conjunto habitacional, mas diz que não tem recursos para construir escola e posto de saúde para atender a essa população.

Na cidade de Embu, na região metropolitana paulista, estão previstas 948 unidades da CDHU e 17 do programa federal “Minha Casa, Minha Vida” (MCMV). A perspectiva de novas moradias na cidade atraiu moradores da capital. O prefeito de Embu, Chico Brito (PT), preocupa-se: “A cidade já tem um crescimento habitacional acima da média do Estado e quando o governo anuncia a entrega de casa, vem mais gente ainda. Não conseguimos atender à demanda”. Brito pede auxílio às gestões estadual e federal. “Além das casas, os governos têm de prever recursos para a infraestrutura.”

As moradias entregues pelo “Minha Casa, Minha Vida” e pela CDHU são essenciais para diminuir o déficit, dizem secretários e prefeitos.

No entanto, eles reclamam que os municípios perderam poder para elaborar políticas habitacionais. “As prefeituras não podem ficar só como receptoras das políticas federal e estadual. Assim resolvemos só problema da falta de teto, não da política habitacional”, diz o prefeito de Embu.

Para o urbanista do Instituto Pólis, Kazuo Nakano, os programas estadual e federal se sobrepõem às políticas locais. “Sem planos habitacionais definidos no Estado e nos municípios, o critério para a escolha de onde construir dos dois programas passa a ser onde há terreno disponível, se perdendo a finalidade de priorizar os locais com maior problema de déficit habitacional”, diz ele.

As prefeituras estão sentindo a falta de ter planos diretores, segundo Inês Magalhães, secretária de Habitação do Ministério das Cidades. Ela explica que a regulamentação do uso do solo e a demarcação de áreas para investimentos em habitação popular já deveria ser tarefa realizada pelas administrações municipais. “Sem isso realmente é difícil.”

Um exemplo é Carapicuíba, última cidade da região metropolitana da capital ao elaborar o Plano Diretor. “Temos primeiro de saber qual é a demanda. Se não tiver planejamento, não tem como investir recursos”, diz o secretário de Habitação de Carapicuíba, Alexandre Pimentel. A secretária de São Bernardo do Campo, Tassia de Menezes, reforça: “É o Plano Diretor que vai dizer que área vai ser usada para empreendimento social e impedir que proprietários façam especulação imobiliária. Os municípios têm que fazer tarefa de casas para desenvolver política habitacional”, comenta Tassia.

O Plano Diretor ajudaria os municípios a combater um dos principais problemas enfrentados pelos programas habitacionais: o preço do terreno. Na Região Metropolitana de São Paulo, onde o metro quadrado é mais caro, prefeituras reclamam que o teto de R$ 52 mil das habitações do MCMV para o público de até três salários mínimos é insuficiente. A resposta do governo federal é de que nesses casos, prefeituras e Estados têm que entrar com mais subsídios, como a doação dos terrenos.

Secretários de municípios sem condição de dar a contrapartida dizem que o mais vantajoso nesses casos é a CDHU. Santa Isabel, por exemplo, deve receber 262 habitações da CDHU e, até agora, tem apenas cinco contratos do MCMV. A secretária municipal de Habitação, Maria Angela Sanchez, explica que as construtoras não conseguiram apresentar um projeto dentro desse valor e o orçamento do governo municipal não comporta um subsídio. É o mesmo problema enfrentado por Carapicuíba, cujos terrenos se valorizaram depois da construção do Rodoanel. “Só com o Plano Diretor é que vamos conseguir ”congelar áreas para construir moradias populares”, disse o secretário Alexandre Pimentel.

Com condições orçamentárias para bancar a contrapartida, o governo de São Bernardo do Campo prefere o programa federal ao estadual por ser mais rápido. “É a alternativa mais rápida e barata para atender a demanda. Se fôssemos construir sozinhos, gastaríamos R$ 70 mil. É mais vantajoso subsidiar com R$ 20 mil”, explica a secretária de Habitação, Tassia de Menezes.

Fonte: Blog da Raquel Rolnik

Moradores da Vila Rubi seguem mobilizados e prometem resistir às remoções

Por volta das 19h30 de ontem, 28 de julho, os moradores que resistem às remoções ilegais promovidas pela Prefeitura de São Paulo e pelo Consórcio Santa Bárbara projetaram o vídeo Vila Rubi Luta, que documenta a mobilização que eles fizeram na semana passada no canteiro de obras da empresa. Na ocasião, eles exigiam que algum representante das obras apresentasse com mais transparência, a toda comunidade, qual é projeto que eles têm para o bairro e o quê teriam para oferecer em contrapartida àquelas pessoas que terão de abandonar as suas casas. Como era de se esperar, não ouve esta atenção nem por parte da empreiteira e nem por parte da Prefeitura.
Logo depois do filme, junto com outros moradores de outra parte da comunidade, que temem que a onda de remoção também os atinja logo logo, as famílias trocaram idéias e pensaram os próximos passos que deverão seguir.

Veja abaixo o vídeo

X+

Vila Rubi Luta from cocaialuta on Vimeo.

Veja outros vídeos de bairros com esse mesmo problema:

Despejo no Parque Cocaia I/Jd. Toca

Fonte: http://redeextremosul.wordpress.com/

Após 19 anos, foi aprovada a política nacional de resíduos sólidos. Mas como e quando ela se tornará realidade?

Por Raquel Rolnik
Foi aprovado no Senado o projeto de lei que cria a política nacional de resíduos sólidos. A proposta determina que sejam elaborados planos para tratar dos resíduos sólidos, estabelecendo metas e programas de reciclagem. Em primeiro lugar é muito importante dizer que a política aprovada não tem efeito imediato. Ela necessita ainda de muitas regulamentações e da elaboração dos planos locais de resíduos sólidos por parte dos municípios. Mas o mais importante é que esta política introduz um conceito novo na gestão dos resíduos sólidos no Brasil, que é a ideia de logística reversa. O que isso significa?

Basicamente, quem produz determinados materiais deverá cuidar do lixo por eles produzido, da reciclagem e do reaproveitamento destes materiais. Isso é particularmente importante em casos como a produção de eletrônicos, de baterias, entre outros tipos de materiais. Este conceito de logística reversa está presente no projeto, mas ainda há muito chão pela frente porque é preciso regulamentá-lo claramente.

Afinal, que cadeias produtivas terão que assumir integralmente essa logística reversa? Ou seja, cuidar do próprio lixo que produziram, recolhê-lo de todos os consumidores, manter uma rede no comércio local para capturar os produtos e materiais usados, dar um destino final para tudo isso. Estas questões ainda não estão definidas e vão requerer regulamentação posterior, assim como a elaboração de um plano de resíduos sólidos por cada um dos municípios brasileiros.

O que nos chama a atenção também é que este é um projeto que tramitou no Congresso por 19 anos. Desde 1991 acompanhamos a discussão deste que é, na verdade, uma espécie de consolidação de cem projetos de lei que foram apresentados anteriormente. Naquela época ele já era uma consolidação. Depois houve vários capítulos dessa novela, relatores e comissões especiais que acabaram não aprovando seu relato final. Isso porque, na verdade, o que estava por trás disso tudo era uma disputa bastante complicada e pesada para saber quem pagaria o custo do lixo, já que o próprio projeto define que este custo precisa ser integralmente pago.

Evidentemente que é esta a questão que está por trás de tantos anos de demora até a aprovação do projeto pelo congresso diante de uma situação alarmante. Os últimos dados que temos não são muito recentes, são de 2000, mas eles dão conta de que 60% do lixo produzido no Brasil vão parar em lixões. Não vão sequer para aterros sanitários. A situação, portanto, é bastante precária. E um dos problemas é que o projeto não nos deixa antever uma luz no fim do túnel no sentido de estabelecer prazos para que os municípios acabem com seus lixões, estabeleçam consórcios, etc. Espero que não demore mais 20 anos para que isso seja resolvido.

Enfim, eu diria que, conceitualmente, o projeto é bom, mas que ele não responde a uma série de perguntas que ainda ficam no ar. Por um lado, ele é interessante porque introduz conceitos novos, como o da logística reversa, que é bem importante, além de outro interessante que é a inclusão, definitivamente, num marco legal nacional, dos catadores e de cooperativas de catadores como uma das formas a serem estimuladas de inclusão da reciclagem dentro do processo. Além disso, ele coloca responsabilidades mais claras aos municípios e trata a política de lixo como uma política integrada. O problema é como e quando vamos implementar esse marco regulatório e quem vai tomar conta e investir pesado para que ele se transforme em realidade.

Pelo direito à dignidade para o povo que vive em áreas de mananciais e arredores, no extremo sul de São Paulo

Estamos vivendo uma situação de verdadeira calamidade! Devido ao descaso do “poder público” e à ambição das elites dessa cidade, em nossas comunidades (Pq. Cocaia I/Jd. Toca, Jd. Lucélia/V. Nascente, Recanto Cocaia/Jd. Tangará, Jd. Prainha, entre outras), localizadas no extremo sul de São Paulo, ocorrem diariamente tragédias: enchentes, deslizamentos de terra e desabamento de casas. As perdas são incalculáveis; são muitas pessoas perdendo móveis, eletrodomésticos, alimentos, roupas, perdendo seus empregos, já que não é possível sair para o trabalho sabendo que qualquer chuva pode causar uma desgraça em nossa casa. São muitas as crianças doentes, infectadas por uma água imunda, pegando sarna, leptospirose, e várias outras enfermidades. Estamos todos traumatizados pelo desespero de vermos nossa vida e a vida de nossos familiares em risco, a cada chuva. Uma situação que não é possível traduzir em palavras…

E isso tudo numa região muito carente de infra-estrutura e serviços públicos. Em várias comunidades, como é o caso do Jd. Prainha e do Recanto Cocaia, por exemplo, padecemos com a falta de asfaltamento, de saneamento básico, de atendimento médico, de creches, de escolas próximas, e por aí vai.

Como se isso não bastasse, dezenas de comunidades que se localizam próximas à Represa Billings estão sendo despejadas, e outras tantas estão sob ameaça de despejo, por conta do “Programa Mananciais”, da “Operação Defesa das Águas” e de outros processos que visam atender aos interesses da especulação imobiliária. Todos sabemos que a região dos mananciais abrange uma área enorme, que inclui o Autódromo de Interlagos, regiões habitadas por ricos, grandes casas noturnas, que, é óbvio, permanecerão intocadas. As áreas ameaçadas são apenas a de comunidades pobres, compostas por milhares e milhares de trabalhadores e trabalhadoras, que não tiveram opção, a não ser comprar seu pedaço de chão em loteamentos precários, resultado de uma articulação entre grandes proprietários, políticos, burocratas, imobiliárias e membros do aparelho judiciário. Esta história não se vê nas telas da TV, que mostram apenas uma versão distorcida e mentirosa da nossa realidade, alimentando preconceitos dos quais somos vítimas no dia-a-dia, repetidos por nossos patrões que muitas vezes nem imaginam que o funcionário ali ao seu lado vive naquela comunidade atingida pelas enchentes, ou ameaçada de despejo.

A necessidade de preservação do meio ambiente – com o que estamos de pleno acordo – pode e deve ser feita respeitando os direitos da população pobre. Portanto, nós, moradores de comunidades carentes, ameaçadas de despejo e vítimas das enchentes, exigimos do poder público a garantia de nosso direito à moradia digna e aos serviços públicos fundamentais.

Quando muito, diante da nossa atual tragédia, a resposta do Estado tem sido os albergues, as passagens para o “Norte”, os cheques-despejos (cada hora num valor, mas sempre muito baixos) disfarçados de “auxílio-aluguel”. Ao contrário, exigimos a construção de um projeto participativo e popular de reurbanização de nossas comunidades que una a preservação ambiental à garantia de moradia e de outros direitos sociais assegurados a nós, pelo menos na teoria, pela Constituição. E, de imediato, exigimos uma SOLUÇÃO EMERGENCIAL às tantas famílias que têm perdido tudo o que construíram com tanto esforço, e cuja própria vida está ameaçada, em função da segregação social, da falta de planejamento urbano e da ganância dos que se dizem “poderosos”.

Apelamos à solidariedade de todos os que apóiam a luta do povo da periferia. Porém, aproveitamos para lembrar que temos convicção sobre os nossos objetivos, que não estamos pedindo favor, mas lutando pelo que é direito nosso, e que não cairemos no canto da sereia de oportunistas que quiserem tirar proveito de nossa tragédia. Alertamos também que a maneira como os políticos e o “poder público”, em todos os níveis de governo, se posicionarem frente à nossa situação será lembrada – e cobrada – pela via eleitoral, e principalmente por meio de nossa organização cotidiana.

Rede de Comunidades do Extremo Sul de São Paulo-SP

DIREITO À PROTEÇÃO DOS DIREITOS


Um direito só existe realmente quando pode ser usado. Há muitos casos de direitos que constam da lei, mas que, pelos mais diversos motivos, grande número de pessoas não conhece ou não consegue pôr em prática. Outras vezes, as pessoas percebem que um direito seu está sendo desrespeitado e, por falta de meios de defesa, perdem o direito sem a possibilidade de reagir. Em todas essas situações, aquele que não soube ou não pôde usar o direito e que, por isso, o perdeu, sofre um prejuízo justo.
Muitas vezes, esse prejuízo atinge aspectos fundamentais da vida de uma pessoa. Imagine-se, por exemplo, a situação de um modesto trabalhador preso injustamente sob acusação de ter praticado um crime. Sua família não sabe o que fazer para defendê-lo e não dispõe de recursos para contratar um advogado. Existe grande possibilidade de que esse trabalhador fique preso por muito tempo, mesmo que não tenha tido qualquer participação no crime de que foi acusado. Esse homem perde a liberdade, o emprego, a família, a reputação social, sofrendo prejuízos morais, físicos e patrimoniais, porque seus direitos não foram protegidos.
O primeiro passo para se chegar à plena proteção dos direitos é informar e conscientizar as pessoas sobre a existência de seus direitos e a necessidade e possibilidade de defendê-los. Com efeito, quando alguém não sabe que tem um direito ou dispõe apenas de informações vagas e imprecisas sobre ele, é pouco provável que venha a tomar alguma atitude em defesa desse direito ou visando à sua aplicação prática. É preciso, portanto, que haja a mais ampla e insistente divulgação dos direi-, tos, sobretudo daqueles que são fundamentais ou que se tornam muito importantes em determinado momento, para que o maior número possível de pessoas tome conhecimento deles.
Tão importante quanto a informação é a formação da consciência de que os direitos precisam ser defendidos, para que não pereçam e também para que fique assegurado o respeito a todos os direitos. A vida em sociedade é necessária para os seres humanos, mas em quase todos os grupos sociais existe uma competição pelas melhores posições e pelo recebimento de mais benefícios e vantagens. É o direito que deve garantir os interesses de cada um e impedir que uns sejam prejudicados pelos outros.
A pessoa que tem um direito violado está sofrendo uma perda de alguma espécie. E quando essa pessoa que teve um direito ofendido não reage, isso pode encorajar a ofensa de outros direitos seus, pois sua passividade leva à conclusão de que ela não pode ou não quer defender-se. Daí a importância de conscientizar as pessoas para que procurem sempre defender seus direitos. Não basta, porém, dar à pessoa consciência de seus direitos e da necessidade de defendê-los sem lhe dar meios para que os defenda. Com efeito, é importante que a própria pessoa queira participar da defesa de seus direitos, mas, a par disso, é indispensável a conjugação de uma série de elementos, de pessoas e instituições socais para que a defesa seja eficiente. Só em casos excepcionais, como a reação imediata a uma agressão ou para impedir um roubo, é que se deve pensar na defesa individual, feita pela própria vítima. Mas também nesses casos os direitos serão mais bem defendidos se forem protegidos ppr mais de uma pessoa ou por agentes policiais, o que mostra a necessidade de que haja meios de defesa proporcionados pela sociedade.
Para se ter um sistema eficiente de proteção dos direitos é preciso contar com a colaboração do Legislativo, do Executivo e do Judiciário. Ao Poder Legislativo cabe fazer e aprovar as leis necessárias para a proteção dos direitos, tendo o cuidado.de garantir a todas as pessoas a possibilidade de se defenderem. Não basta dizer na lei que todos têm o direito de agir para defender seus direitos. É preciso garantir na prática essa possibilidade. Assim, por exemplo, há muita gente que não tem dinheiro para pagar as despesas de um processo e os honorários de um advogado. Isso precisa ser previsto na lei, para que esta diga de que maneira as pessoas pobres poderão defender-se.
O Poder Executivo tem a obrigação de manter repartições e funcionários encarregados de proteger as pessoas e seus direitos. Grande parte dessa responsabilidade cabe à Polícia, que deve exercer vigilância permanente, para evitar a prática de atos prejudiciais ao direito de alguém. As leis dizem o que a Polícia deve e pode fazer, sendo indispensável que as autoridades policiais também respeitem as leis, pois se elas agirem fora da lei, mesmo que seja com a desculpa de proteger as pessoas, ninguém estará seguro. Na verdade, é absurdo uma autoridade praticar atos ilegais e dizer que faz isso para garantir que as leis serão respeitadas.
O Poder Judiciário tem, igualmente, uma responsabilidade muito grande. Quando alguém teve um direito desrespeitado pode pedir proteção aos juízes e tribunais, seja quem for o culpado pelo desrespeito. Assim, também, quando existir dúvida sobre algum direito, se ele existe ou não, ou a quem ele pertence, é o Poder Judiciário que deve desfazer a dúvida. Para cumprir bem sua tarefa, os juízes devem ter sempre a preocupação de agir com justiça, decidindo sem medo, com serenidade e independência.
É indispensável que o Poder Judiciário esteja bem organizado e que não seja caro demais pedir sua proteção. Caso contrário, a demora nas decisões e a necessidade de muito dinheiro para o pagamento das despesas judiciais farão com que só um pequeno número de pessoas tenha a proteção judicial. Quando o Poder Judiciário pode agir com independência e é respeitado pelo povo e pelas autoridades é mais raro que ocorram ofensas aos direitos. E quando elas ocorrem é mais fácil conseguir a proteção e a devolução dos direitos ofendidos ou a punição justa do ofensor.
A proteção dos direitos é indispensável para que as pessoas, sentindo-se em segurança e respeitando-se reciprocamente, possam viver em paz.
Fonte: Dalmo de Abreu Dallari - Viver em Sociedade

Participação Popular e Construção das Cidades

Publicações
Fazendo Política – Perfil das Conselheiras e Conselheiros do Orçamento Participativo 2002-2003
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Fazendo Política – Perfil das Conselheiras e Conselheiros do Orçamento Participativo 2002-2003

A pesquisa traça o perfil dos participantes do Conselho do Orçamento Participativo de Porto Alegre, trabalhando as relações de gênero e os perfis sócio-econômico e político-cultural dos integrantes. Seu objetivo principal principal é contribuir para o debate que busca a democratização das relações de gênero em nossa sociedade.

Quem é o Público do Orçamento Participativo 1998, 2000 e 2002
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Quem é o Público do Orçamento Participativo 1998, 2000 e 2002

Esta pesquisa, elaborada e coordenada pelo Cidade, traz informações colhidas junto ao público participante da Rodada Única do Orçamento Participativo de Porto Alegre e tem por objetivo registrar algumas características deste público.

Lutas Urbanas em Porto Alegre:entre a revolução política e o transformismo. Autor: Sérgio Baierle
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Lutas Urbanas em Porto Alegre: entre a revolução política e o transformismo. Autor: Sérgio Baierle

A diferença é que o OP constitui-se como uma esfera pública essencialmente plebéia. Não há cadeira cativa para nenhum setor ou corporação. Cada cidadão vale um cidadão, um voto na assembléia.


Histórico do Orçamento Participativo de Porto Alegre
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Principais fatos da História da participação popular em Porto Alegre de 1989 a 2001

Crítica do conceito de governança
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O princípio participativo fundado na solidariedade e a emergência de uma nova noção de responsabilidade pública. Autora: Carla Almeida

Análise crítica sobre o discurso da participação solidária na gestão pública neoliberal.

Porto Alegre neoliberal
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Porto Alegre neoliberal: a decapitação social-capitalista de líderes comunitários e os limites do Novo Gerencialismo Público inclusivo. Autor: Sérgio Baierle

Crítica da relação entre movimentos comunitários e governança solidária local.

Porto Alegre neoliberal
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Desdobrando o Orçamento Municipal

Com esta Cartilha buscamos desdobrar os principais componentes da elaboração do orçamento público municipal. Nosso objetivo central é que ela se torne um facilitador na compreensão das questões que envolvem a construção das peças orçamentárias.

Porto Alegre neoliberal
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A Participação na Revisão dos Planos Diretores

Com a edição deste caderno, o CIDADE retoma seu vínculo de origem com o planejamento urbano e a gestão democrática da cidade. Não é possível defender e mobilizar as comunidades populares no seu direito à cidade, entendido enquanto acesso a uma vida digna, ativa e significativa, sem a sua intervenção como sujeito no processo de gestão urbana.

DIREITODE PARTICIPAR DO GOVERNO

Todos os seres humanos são iguais, nenhum é superior ou inferior aos outros. Mas cada pessoa tem seus valores, seu modo de ser e seus interesses. Para que todos possam viver em harmonia, respeitando-se uns aos outros, é preciso que existam regras de convivência, estabelecendo quais são os direitos e os deveres de cada um. Essas regras estão na Constituição e nas leis.
Uma questão importante é definir quem estabelece as regras a que todos são obrigados a obedecer. Se todos são iguais, não se justifica que só alguns possam estabelecer tais regras e que os demais só fiquem com a obrigação de umedecê-las.
Existe, porém, uma dificuldade de ordem prática, pois não há como reunir todas as pessoas num só lugar todas as vezes em que for preciso estabelecer novas regras ou então mudar ou anular as já existentes.
Para contornar essa dificuldade foi criado o sistema representativo. De acordo com esse sistema, em cada país, Estado ou cidade as pessoas escolhem um pequeno número de representantes, para, em nome de todos, estabelecer o conjunto de regras cuja obediência passará a ser obrigatória.
Num sistema democrático, é preciso que o maior número possível de pessoas tenha o direito e a possibilidade de escolher os representantes. Como todos serão obrigados a respeitar as regras e como estas sempre influem sobre os direitos e deveres de todos, só em casos excepcionais é que se pode admitir que alguém não participe da escolha. Assim, por exemplo, é razoável que as crianças não tenham o direito de participar, porque ainda não têm a experiência de vida necessária para orientar as escolhas. Mas é injusto que os analfabetos adultos "não participem, pois mesmo sem saber ler eles podem receber informações pelo rádio, pela televisão e diretamente de outras pessoas, além de já terem uma experiência de vida.
Do mesmo modo que o maior número possível deve participar da escolha de representantes, é necessário que quase todos tenham o direito e a possibilidade de serem escolhidos. Só em casos excepcionais, quando por uma incapacidade física ou por ser claramente inconveniente para a sociedade que uma pessoa seja escolhida é que ela deva ser impedida.
Aqui também se pode dar como exemplo de exclusão justificável as crianças. É igualmente contrário ao interesse da sociedade que uma pessoa esteja ocupando um cargo político importante e seja candidata a representante sem deixar esse cargo. Escolher representantes e representar o povo são formas de participação no governo. Através dessas atividades, as pessoas influem sobre o modo de organização da sociedade, bem como sobre a escolha dos objetivos que são de interesse de todos e sobre a maneira de procurar realizá-los, influindo, ainda, na definiçãodos direitos e deveres de cada um. Todas essas tarefas fazem parte do governo de uma sociedade.
Mas, uma vez estabelecidas essas regras, restam ainda muitas tarefas importantes, que também são atividades de governo. Entre outras coisas, é preciso que haja pessoas incumbidas de garantir a aplicação das regras estabelecidas, como também é necessário que outras, com especial preparo, sejam responsáveis pelo esclarecimento das dúvidas quanto ao sentido de uma regra ou à sua aplicação em determinado caso concreto.
A par disso, existe uma infinidade de decisões a tomar e de tarefas a realizar para que as necessidades fundamentais de cada um e as de interesse comum sejam atendidas. Atualmente, o atendimento de tais necessidades não fica apenas a cargo das próprias pessoas ou de grupos particulares. A sociedade, no seu conjunto, assume grande quantidade de encargos, e estes passam, então, a ser considerados tarefas de responsabilidade do governo.
Para a tomada de decisões e o fornecimento de bens e serviços, o governo necessita de algumas pessoas muito bem dotadas e preparadas, que assumam as posições de chefia. Num sistema democrático, o povo é quem deve escolher livremente essas pessoas. E aqui se aplicam as mesmas observações feitas.
Fonte: Dalmo de Abreu Dallari - Viver em Sociedade

DIREITO DE RECEBER OS SERVIÇOS PÚBLICOS

No mundo moderno, os órgãos do governo têm a obrigação de prestar serviços à população. Até o final do século passado, muitas pessoas achavam que a única função do governo era manter a ordem pública e cuidar da defesa do país. O governo fazia pouco mais do que isso, deixando quase tudo nas mãos dos particulares.
Mas as condições de vida social mudaram muito. Com a Revolução Industrial (século XVIII), um número elevado de pessoas saiu do campo e foi para as grandes cidades. Muitas dessas pessoas não conseguiram emprego, outras se empregaram, mas com salários muito baixos. Desse modo foram sendo formadas as periferias das grandes cidades, que desde então é o lugar em que moram os mais pobres. Formou-se também uma camada numerosa de pessoas que ganham pouco e que, por isso, mesmo trabalhando bastante, têm dificuldades para conseguir moradia, alimentação, escola, cuidados de saúde e outros bens e serviços que são indispensáveis para a pessoa humana.

Em conseqüência de tal situação social, o governo teve que assumir a responsabilidade de manter serviços destinados a ajudar as pessoas a satisfazerem suas necessidades básicas. Assim foram criados muitos serviços públicos. Mas a situação social não mudou muito, e as dificuldades dos mais pobres se agravaram. Além disso, verificou-se que certos serviços não devem ser prestados por particulares, que sempre visam ao lucro e,nem sempre estão preocupados com o bem-estar da população.

Por esses motivos, os governos foram assumindo um número cada vez maior de encargos, a quantidade de serviços públicos foi enormemente ampliada, e hoje todas as pessoas, mesmo as mais ricas e mais bem situadas na sociedade, dependem muito de tais serviços. Por isso, o direito de receber os serviços públicos deve ser incluído, hoje, entre os direitos fundamentais da pessoa humana.

Um aspecto importante, que não pode ser esquecido, é que esses serviços são pagos por todo o povo. Em alguns casos, se exige o pagamento de uma taxa para que uma pessoa obtenha a prestação direta do serviço. Mas no conjunto, considerando-se que não existe a possibilidade de saber quem vai usar e quanto vai necessitar ou receber, todo o povo paga para que os. serviços existam, como ocorre, por exemplo, com a polícia, que é um dos serviços mantidos pelo governo para toda a população.

Por tal razão, todos são obrigados a contribuir, uma vez que o serviço fica à disposição de todos. É interessante assinalar que até as pessoas mais pobres, como os próprios mendigos, dão sua contribuição. Com efeito, quando um mendigo compra um pão ou uma caixa de fósforos, está praticando um ato que obriga a pessoa a pagar imposto. No preço da mercadoria adquirida já está incluído o imposto devido, que vai ser utilizado para a manutenção dos órgãos do governo e de muitos serviços. Como se vê, todas as pessoas, proprietários e não-proprietários, ricos e pobres, empregadores e empregados e até mesmo desempregados e ociosos contribuem para custear os serviços mantidos pelo governo.

Os serviços públicos devem ser criados, organizados e mantidos para todo o povo. Como todos necessitam e todos
pagam é indispensável que os serviços sejam criados tendo em vista as necessidades de todo o povo, devendo ser proporcionados a todos com a mesma qualidade e presteza. Para prestar adequadamente os serviços, o governo deve estar constantemente atento às necessidades do povo, criando serviços novos, melhorando os já existentes e, quando for o caso, extinguindo os que forem dispensáveis.
Não existe a possibilidade de se estabelecer previamente quais serviços serão de responsabilidade do governo e quais os que serão realizados por particulares. Há serviços que, por sua natureza, deverão ser sempre públicos, como a distribuição de justiça, a manutenção da ordem interna, a defesa do país, 1'0 fornecimento de água e luz à população, a manutenção de escolas suficientes para todas as crianças e de instalações apropriadas para cuidar da saúde das pessoas, a limpeza das ruas, a vigilância para que não haja poluição do ar e das águas e mais um grande número de serviços.

Em cada país, Estado ou cidade é preciso decidir, de acordo com as necessidades e as conveniências do povo, que atividades deverão ser consideradas serviços públicos. Esta condição pode mudar quando mudarem as condições de vida, podendo passar a ser público um serviço particular ou vice-versa. Além disso, um serviço público"pode ser mantido diretamente pelo governo ou, em lugar disso, ser realizado por um particular que obedeça às condições fixadas pelo governo e seja fiscalizado por este.

Não existe atividade que não possa ser realizada pelo governo. Alguns serviços, como o julgamento das pessoas e.'o policiamento das ruas, devem ser sempre públicos, assim como todas as atividades que, por sua importância, para o povo, não devem ficar dependendo do interesse de alguns particulares. Outros serviços, porém, podem ficar sob responsabilidade de pessoas ou empresas privadas. O critério para se decidir se um serviço deve ser público ou particular deverá ser, sempre, o interesse do povo.

As pessoas que, em qualquer atividade, trabalham num serviço público são chamadas de "servidores públicos". Isso quer dizer que essas pessoas trabalham diretamente para o povo, que é quem paga por seu trabalho. O servidor público tem uma responsabilidade especial na sociedade, pois está colaborando numa atividade considerada das mais importantes para o povo. É preciso que o servidor tenha consciência disso, jamais esquecendo que seu mau desempenho prejudicará interesses e direitos fundamentais de muitas pessoas. Por outro lado, é necessário que os usuários de serviços públicos também se lembrem de que estão usando um serviço que é de todos e procurem colaborar quanto for possível para que o serviço seja eficiente
,e possa ser utilizado, com igual oportunidade, por todas as pessoas.
Um aspecto importante que deve ser considerado é justamente o da eficiência dos serviços públicos. Como seu objetivo principal é o atendimento das necessidades e conveniências do povo, esse deve ser o critério para avaliação. Um serviço é eficiente quando atinge esse objetivo, quando é prestado nas condições que mais atendam ao interesse do povo. Devem-se levar em conta a qualidade do serviço, o cuidado de que as pessoas que dele necessitem tenham realmente a possibilidade de utilizá-lo e ainda o melhor aproveitamento possível dos recursos existentes.

Os serviços são mantidos com o dinheiro do povo, e por isso nenhum governante, administrador ou servidor pode usar os recursos de um serviço para fazer qualquer coisa que não seja de interesse do povo e do próprio serviço. É necessário que também os usuários se lembrem disso e só procurem utilizar os serviços na medida de suas necessidades e de maneira adequada, respeitando os interesses e direitos dos demais. Desse modo, poderá ser proporcionado um serviço melhor a um número maior de pessoas, assegurando-se a todas o direito fundamental de igual possibilidade de acesso aos serviços públicos.

Fonte: Dalmo de Abreu Dallari - Viver em Sociedade

Os arautos do reacionarismo

por Antonio Ozaí da Silva

Os reacionários temem mudanças, especialmente as que desafiam as suas certezas e dogmas. Se dependesse deles, as fogueiras da inquisição permaneciam a arder e a queimar os ateus, hereges e gays, que eles consideram anormais e aberrações da natureza. Conservadores até a medula, não suportam a mínima alteração no que consideram a ordem natural das coisas. Na cruzada contra o mal, isto é, contra tudo o que não se encaixe em sua tacanha concepção sobre o mundo, vêem-se como os salvadores de almas e imaginam ter o mandato divino para manter-nos no reto caminho do Senhor!

Não se contentam em se imaginarem “os eleitos”, lançam o dedo acusador contra os que ousam não compartilhar da sua cegueira. São missionários retrógrados que temem o aperfeiçoamento dos costumes e dos valores humanos. Seus corpos estão no presente, mas suas mentes são prisioneiras de um passado que urge superar. Obstinadamente, anunciam um mundo morto e mortificante. Eles são os arautos da regressão política, social, cultural e moral.

Se dependesse deles, o mundo não mudaria. Eles brandem suas espadas imaginárias e levantam suas vozes contra os que se dedicam a derrubar os muros simbólicos e reais que mantêm a segregação sexual, a opressão machista, heterossexual e homofóbica. Claro, as sociedades ainda são predominantemente machistas e resistem aos avanços feministas e dos gays, lésbicas e afins. Diferenças e valores morais e culturais introjetados por gerações, educadas por mães que consideram normal a dominação masculina e por pais homofóbicos e outros que até são transigentes em relação aos homoafetivos, desde que sua prole não seja um(a) deles(as).

As lutas das mulheres e dos homoafetivos tendem a fragilizar as muralhas que dão segurança à maioria. Assim, mesmo que as pessoas individualmente não gostem, a sociedade progride e reconhece a igualdade na diferença. Refiro-me à igualdade no plano formal e jurídico. A aprovação pelo Senado argentino do casamento entre pessoas do mesmo sexo é exemplar. É uma lei polêmica e a divergência é democrática. A sociedade argentina mobilizou-se e o debate foi intenso. O resultado apertadíssimo da votação (33 votos contra 27, com três abstenções) comprova-o. A Argentina pode orgulhar-se. Agora, está entre os dez países que adotam leis neste sentido (os outros são: Holanda, Bélgica, Espanha, Canadá, África do Sul, Noruega, Suécia, Portugal e Islândia).

Em tais condições, é patente e deve ser reconhecido o direito democrático dos que não aceitam o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo. É importante frisar que a lei não anulará o estigma nem o preconceito. A questão é ainda mais profunda porque a polêmica extrapola o âmbito social e político e é alentada por argumentos de cunho religioso. Os arautos do reacionarismo, que se vêem como intérpretes e porta-vozes da palavra divina, escarnecem e acusam os pecadores que desafiam a Lei de Deus! E se tivessem o poder de aplicá-la? Deus nos livre desses fiéis seguidores!

Não questiono o direito de eles acreditarem em Deus. Aliás, é perda de tempo e energia discutir isto. Nunca vi nem falei com Ele, mas Ele existe na cabeça dos que acreditam. Na medida em que a maioria acredita, Ele se torna realidade – um fato social, como diria Durkheim. O problema, porém, começa quando estes crentes, cegos em sua leitura fundamentalista de um texto considerado sagrado e escrito pelo próprio Deus, arrogam-se serem intérpretes da Lei divina e intentam impô-la à sociedade e ao Estado. São teocratas disfarçados de missionários abnegados; são os arautos da intolerância que alimentam as fogueiras acesas por fanáticos de todas as espécies. Felizmente, o mundo muda… apesar deles!

Fonte: http://antoniozai.wordpress.com/

Projeto Eleições

Esse Projeto é de autoria do Professor Claudemir Mazucheli Canhin.
Aplicado no Ano de 2010 na Escola Estadual Giulio David Leone, São Paulo, SP - Brasil.
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