O uso dos fósseis como ferramentas para Datação Relativa
A partir dos princípios postulados por Steno e Hutton, outros cientistas começaram a tentar entender como os fósseis contidos nas rochas sedimentares poderiam ser usados para auxiliar na estratigrafia.
Dois novos princípios, utilizando fósseis como ferramentas, se somaram aos princípios da estratigrafia. Esses princípios foram concebidos por Georges Cuvier, um paleontólogo/anatomista de vertebrados francês, e Willian Smith, um agrimensor inglês.
Cuvier, considerado o "Pai da Anatomia Comparada", enquanto prospectava fósseis de vertebrados nos arredores de Paris, começou a perceber que cada camada de rochas abrigava um conjunto de fósseis diferente das outras camadas. Verificou, também, que os fósseis das camadas mais inferiores apresentavam características mais primitivas do que os fósseis das camadas mais superiores, os quais se assemelhavam mais aos animais atuais. Segundo Cuvier, essa "Sucessão Faunística" era produto de extinções catastróficas que aconteceram de tempos em tempos na história da Terra. Assim, depois de cada evento de extinção, que dizimava a fauna inteira de uma determinada área, novos organismos provenientes de outros lugares ocupavam os ambientes vagos. Essa teoria de Cuvier é chamada de Catastrofismo.
Princípio da Sucessão Faunística ou Sucessão Fóssil
Willian Smith, enquanto realizava seus trabalhos de agrimensor em canais e minas nas propriedades rurais da Inglaterra, percebeu que as mesmas sucessões de rochas sedimentares afloravam em distintas regiões e que cada camada de rocha continha determinados fósseis que não eram encontrados nas outras camadas. Assim, ele postulou que as camadas de rochas encontradas em áreas geograficamente distantes podiam ser correlacionadas pelo seu conteúdo fossilífero.
Princípio da Correlação Fóssil
As correlações temporais (correlações estratigráficas) entre camadas de rocha situadas a longa distância são realizadas com a utilização de fósseis (gêneros, espécies) que reúnem uma série de características especiais. Estes são chamados de fósseis-guia oufósseis-índice. Além da grande distribuição geográfica (cosmopolitas), esses fósseis devem apresentar curta amplitude vertical (ter surgido e se extinguido rapidamente), devem ser facilmente identificáveis e devem ser abundantes. Os melhores fósseis-guia são organismos marinhos, de preferência, de hábito plantônico.
Assim, com o auxílio dos fósseis, estavam criadas as bases para um correto empilhamento das camadas de rochas e sua correlação temporal. Esse método é conhecido como Datação Relativa.
Datação absoluta
Os princípios de datação relativa, através do uso dos fósseis, permitiram, ainda no século XIX, o estabelecimento da coluna do tempo geológico. Esta foi primeiramente baseada em afloramentos de rochas sedimentares da Europa, sendo posteriormente estendida para outros continentes. Como já mencionado, os métodos de datação relativa possibilitam um correto empilhamento das rochas no tempo e a correlação de distintos pacotes de rochas, mas não fornecem dados para se saber a idade absoluta (em números) das rochas.
Foi só no início do século XX que uma nova metologia emergiu. Com a descoberta da radiatividade e de que alguns elementos químicos presentes nas rocha emitiam radiação a taxas constantes, foi desenvolvido o método de Datação Absoluta das Rochas. Para entendermos essa metodologia, vamos ter que compreender alguns conceitos sobre isótopos radiativos.
Isótopos radiativos e meia-vida
Na natureza, exsitem alguns elementos que apresentam isótopos, ou seja, elementos que apresentam o mesmo número atômico(Z), mas diferentes numeros de massa (A).
Um exemplo é o oxigênio, que possui três isótopos:
oxigênio 16 - 8 prótons e 8 neutrons (A = 16)
oxigênio 17 - 8 prótons e 9 neutrons (A = 17)
oxigênio 18 - 8 prótons e 10 neutrons (A = 18)
No caso do oxigênio, esses isótopos que existem na natureza são estáveis. Há porém, outos elementos que são instáveis na natureza e, devido a isso, têm a tendência a se transformarem em outro elemento mais estável. Esses são os chamados isótopos radiativos. Nessa transformação, denominada decaimento radiativo, radiação é emitida e calor é liberado. O decaimento radiativo, é um processo lento que ocorre a uma taxa constante chamada meia-vida.
Um dos mais conhecidos é o Carbono 14 (C14). O C14 é um dos isótopos do Carbono. O outro é o Carbono 12 (C12), muito mais abundante. O C12 apresenta 6 prótons e 6 neutros, enquanto o C14 apresenta 6 prótons e 8 neutrons. Como o C14 é instável, ele tem a tendência a se transformar em Nitrogênio 14 (N14). A cada meia-vida, metade dos átomos originais de C14 presentes em uma amostra vão se transformar em átomos de N14. A meia vida do C14 é de 5.730 anos. Isso significa que a cada 5.730 anos metade dos átomos do isótopo original (isótopo-pai) se transformará em átomos do isótopo-filho.
Como o C14 pode ser usado na datação de materiais orgânicos antigos, como, por exemplo, os ossos? A explicação é que os vegetais, ao realizarem a fotossíntese, absorvem CO2. Este CO2 é composto tanto de átomos de C12 (99%) quanto de C14. Os animais, que são consumidores na cadeia alimentar, incorporam em seus tecidos parte do carbono presente nos vegetais, na forma de glicose (C6H12O6), produzida através da fotossíntese. Ossos são tecidos vivos que acumulam carbono, seja na forma de C12 quanto de C14 e, portanto, a proporção de N14 em relação ao C14 em um osso antigo, nos fornecerá o número de meias-vidas transcorridas e, por conseqência, a idade daquele osso.
A datação por C14/N14 é utilizada em materiais não muito antigos, por exemplo em múmias egípcias com alguns poucos milhares de anos. Materias mais velhos que 70.000 anos não são passíveis de datação por C14. Por quê? Para responder a esssa questão, vamos lançar mão de uma analogia.
Imagine uma festa de aniversário em que é servida uma torta deliciosa. Todos os convidados recebem a sua fatia e resta uma última fatia no prato da torta. Cada convidado, depois de saborear a sua fatia, fica de olho na fatia que restou, mas ninguém tem coragem de pegar a fatia inteira, pois não "pega bem". Assim, um dos convidados se enche de coragem e corta metade da fatia, deixando a outra parte no prato. Um segundo convidado, vai lá e corta metade da metade da última fatia. Um terceiro convidado corta, então, a metade da metade da metade e assim por diante. Vai chegar um momento em que não há mais sequer um farelo da torta original no prato, como mostrado na figura abaixo. Cada fatia 1, 2, 3, 4, 5 e 6 corresponde à metade da espessura da fatia anterior.
Voltando aos isótopos, é exatamente isso que ocorre durante o decaimento radiativo. A cada meia-vida, metade dos átomos orignais (isótopos-pais) decai, transformando-se em isótopos-filhos. A tabela abaixo resume o que aconteceria com uma amostra contendo 1000 átomos de C14.
E assim por diante...
Se representarmos o decaimento radiativo na forma de um gráfico, vamos observar que a redução dos isótopos-pais é diretamente proporcional ao aumento dos isótopos-filhos ao longo do tempo transcorrido (meias-vidas).
Voltando à analogia da torta, fica mais claro agora, entender porque o C14 não se presta para datação de amostras mais antigas que 70.000 anos. Segundo a tabela acima, em 7 meias-vidas somente 7,875 (0,007875%) dos 1000 isótopos-pais permanecem na amostra.
Bom, se o C14, com sua meia-vida de 5.730 anos, não possibilita datação de materiais muito antigos, existem isótopos que permitem isso? A resposta é sim ... e não.
Há de fato isótopos radiativos com meias-vidas muito superiores à do C14 (ver tabela abaixo).
O que acontece é que esses elementos não estão presentes na composição química dos tecidos dos seres vivos e, portanto, não vão estar presentes em um resto orgânico fossilizado. Assim, esta metodologia não serve para datar fósseis. Mas vai ser aplicada na datação de rochas.
Datação absoluta de rochas
A datação absoluta das rochas baseia-se na premissa de que uma rocha é um "sistema fechado", cuja composição química não sofre alterações por influência de fatores externos. Sendo assim, qualquer alteração química que ocorrer na rocha, vai ser devida a decaimento radiativo de isótopos instáveis presentes nessa rocha desde o momento de sua cristalização. Isso é válido somente pararochas ígneas, a partir de sua cristalização e para rochas metamórficas depois de sua recristalização. As rochas sedimentares, formadas por partículas dos outros tipos de rocha (ígneas e metamórficas) ou, ainda por partículas de outras rochas sedimentares e restos esqueletais de organismos, não podem ser datadas pelos tradicionais métodos baseados em isótopos radiativos. Isso se deve ao fato de que é impossível saber quado determinado isótopo foi incorporado à rocha sedimentar.
A datação absoluta das rochas é feita por um equipamento denominado Espectrômetro de Massa.
Integração dos Métodos na Construção da Coluna do Tempo Geológico
Se a coluna do tempo geológico é baseada em pacotes de rochas sedimentares, que não são passíveis de datação por métodos de isótopos radiativos, então, como a datação absoluta auxiliou no refinamento das idades dos ons, Eras, Períodos, etc.? Bem, em muitos locais onde afloram rochas sedimentares, ocorrem, também, rochas ígneas, como por exemplo cinzas vulcânicas, intrusões de granito, derrames de basalto, etc., que podem ser datadas em termos asolutos.
Assim, mesmo não sendo possível quantificar em números a idade de todas as rochas aflorantes na superfície terrestre, pode-se de tempos em tempos obter a idade absoluta de rochas ígneas, que vão limitar temporalmente as rochas sedimentares dentro de determinado intervalo.
Na figura acima, a intrusão de granito foi datada em 180 milhões de anos (Ma) e a camada de lava, datada em 100 milhões de anos. Assim, podemos saber que a camada de arenitos é mais jovem que 180 Ma e mais antiga que 100 Ma. Também sabemos que a camada de calcário na base da sequência é mais antiiga que 180 Ma e que a camada de calcário acima da lava é mais jovem que 100 Ma.
Esse exemplo nos permite entender como o "casamento" entre os métodos de datação relativa e os métodos de datação absoluta, permitiu o atual nível de refinamento da coluna de tempo geológico.