A viagem dos almirantes chineses -
A viagem durou 31 meses, entre março de 1421 e outubro de 1423.
A viagem durou 31 meses, entre março de 1421 e outubro de 1423.
Fonte: http://mundogeo.com/blog/2006/10/30/novo-livro-afirma-que-chines-descobriu-o-brasil-e-autor-diz-que-%E2%80%9Ce-hora-de-fazer-justica%E2%80%9D/
Em 2002, o inglês Gavin Menzies chocou o mundo ao afirmar que
uma frota de 300 navios, liderada pelo chinês Zheng He, teria descoberto
a América, 70 anos antes de Colombo. Agora, à luz dos indícios que ele
apresentou, especialistas do mundo todo discutem se isso seria possível
Está para começar a maior aventura marítima de todos os tempos. O ano
é 1405, o cenário, a China da dinastia Ming, época de desenvolvimentos
sem precedentes na história do país, que conta, agora, com suficiente
conhecimento tecnológico, dinheiro e, é claro, uma ambição sem limites
para tornar possível o sonho de navegar mundo afora. O imperador Zhu Di
acaba de construir uma frota espantosa: 300 navios capazes de
transportar 28 mil homens. No comando, o eunuco Zheng He, um dos
principais conselheiros do imperador. Durante os 15 anos seguintes, as
velas de seda vermelha seriam vistas no Camboja, Java, Sri Lanka e
Índia. Mas a grande viagem ainda estava por vir. Em 1421, a frota partiu
para um projeto mais audacioso: atravessar o oceano Índico, costear a
África e, se o inglês Gavin Menzies estiver certo, descobrir a América e
dar a volta no planeta.
As façanhas de Zheng He não são novidade: sabe-se que de 1405 a 1433
os chineses exploraram todo o oceano Índico, o mar da Arábia e a costa
oriental da África. “Escavações no Quênia encontraram restos de
porcelanas chinesas do século 15, raras até mesmo na China”, diz o
historiador Geoff Wade, da Universidade de Cingapura, um dos maiores
especialistas no período Ming. Essas viagens são consideradas, hoje, uma
das maiores expedições marítimas de todos os tempos. Em 2002, no
entanto, um almirante aposentado da Marinha inglesa e pesquisador naval
nas horas vagas, Gavin Menzies, lançou o polêmico 1421 – The Year that
China Discovered America, (“1421 – O Ano em que a China Descobriu a
América”, editadoem português pela editora portuguesa Dom Quixote),
dizendo que os chineses haviam ido bem além do Índico e navegado até a
América 70 anos antes de Cristóvão Colombo e dado a volta ao mundo quase
um século antes de Fernão de Magalhães.
A comunidade acadêmica internacional concorda que aos chineses de
1421 não faltava tecnologia para fazer grandes viagens pelo mundo. Eles
já conheciam a bússola e passeavam pelo Índico desde o século 9. “A
tecnologia naval chinesa era incomparavelmente mais avançada que a
européia no século 15”, diz o professor Mario Sproviero, da Universidade
de São Paulo, especializado em cultura oriental. “Eles possuíam plenas
condições de chegar à América.”
Se na época houvesse uma aposta para ver quem chegava à América
primeiro, os chineses seriam os favoritos. Segundo a americana Louise
Levathes, no livro When China Ruled the Seas (“Quando a China Dominava
os Mares”, sem edição brasileira), os chineses conseguiam passar mais
tempo no mar e ter tripulações maiores porque tomavam mais precauções
que os europeus. “Eles levavam animais vivos como alimento e um navio
com água doce para abastecer toda a frota por pelo menos um mês”, diz.
Os barcos tinham 120 metros de comprimento e resistiam bem às
tempestades em alto-mar. As caravelas européias mediam no máximo 24
metros.
Mas poder não é querer. “Os chineses só navegavam próximo à costa, de
onde avistavam portos para desembarcar porcelana, seda e pedras
preciosas. Seu negócio era o comércio e não a exploração, muito menos a
colonização”, diz Xu Consheng, professor da Universidade de Fuzhou, na
China.
Para Menzies, isso é apenas meia verdade. O ponto de partida de sua
teoria é um mapa europeu de 1459, feito pelo cartógrafo veneziano Fra
Mauro – um dos tesouros de Veneza–, guardado na Biblioteca Nacional
Marciana. Para ele, o mapa prova que os chineses já conheciam o lado
oeste da África, primeiro passo para atravessar o Atlântico. “Fra Mauro
mostra o cabo da Boa Esperança (o ponto extremo sul da África), que o
português Bartolomeu Dias só viria a descobrir 30 anos depois”, diz. Mas
onde a China entra nessa história? Menzies diz que um pequeno desenho
no canto do mapa é um barco chinês, o que demonstraria a origem das
informações contidas no mapa. Além disso, ele cita um documento no qual
Fra Mauro afirma que baseou seu mapa em uma “fonte confiável” que
conhecia a fundo a geografia da época. Para Menzies, essa fonte foi
Niccolò de’ Conti, veneziano que viveu em Calicute, na Índia, no início
do século 15 e que teria conhecido os chineses da frota de Zheng He. Mas
isso não basta para provar uma viagem transatlântica.“A especulação
pode fazer sentido, porém não há provas de nada disso”, diz Piero
Falchetta, curador da Biblioteca Nacional Marciana. “Mas que o desenho
parece um barco chinês, parece.”
“Mesmo que tivessem chegado à costa oeste da África, atravessar o
Atlântico não fazia parte das tradições da navegação chinesa”, diz Wade.
“Nem da espanhola”, rebate Menzies. Para ele, a rota via Cabo Verde
seria a mais lógica. E é ali que ele deposita uma de suas principais
esperanças de provar o que diz. “Em 2001, encontramos duas pedras
parecidas com as que Zheng He deixava para marcar sua passagem. Elas
estão danificadas, mas creio que demonstraremos que suas inscrições são
caligrafia chinesa do século 15”, diz Menzies.
No livro, Menzies enumera uma série de indícios que vão de esqueletos
pré-históricos, passando pelo DNA de povos pré-colombianos, até um
observatório erguido por Zheng He na Flórida, nos Estados Unidos (veja
no quadro da página 42). A principal crítica dos especialistas a Menzies
tem a ver com seus métodos de dedução. “Ele parte de uma suposição, ou
seja, de coisas que poderiam ser do jeito que ele deseja, para realizar
suas afirmações”, diz Wang Tianyou, historiador da Universidade de
Pequim. “É uma boa história, mas 99% do que li em seu livro não encontra
qualquer fundamento documental ou arqueológico”, afirma Geoff Wade. A
historiadora inglesa Frances Wood, especialista em cultura chinesa da
Biblioteca de Londres, concorda. “É uma seqüência de indícios que
Menzies quer transformar em provas”, diz.
Outra dúvida que não quer calar: para a civilização que inventou o
papel, a impressão e uma das formas mais antigas de escrita, não haver
nenhum documento registrando essa viagem não soa estranho? Menzies
explica que, com a morte do imperador Zhu Di, em 1424, desapareceu o
interesse pelas navegações. Todos os documentos relativos à façanha de
Zheng He ficaram abandonados e por fim, em 1644, quando acabou a
dinastia Ming, os imperadores da dinastia Qing decidiram fechar a China
para o Ocidente, destruindo as evidências das viagens de Zheng He.
Mas nem tudo foi destruído. “Na China, no Vietnã e no Camboja foram
encontrados monumentos de pedra, feitos a mando de Zheng He e de seus
capitães, que falam de suas façanhas. Nem uma palavra sobre a viagem
transatlântica”, afirma Geoff Wade.
Mas, se no meio acadêmico são raros os que se dispõem a dar ouvidos a
Menzies, entre as autoridades chinesas suas teses polêmicas têm público
garantido. Querendo tirar o melhor proveito diplomático e político da
súbita fama internacional de Zheng He, o governo da China anunciou em
julho que prepara para 2005 uma grande festa nos 600 anos da primeira
viagem de seu novo herói. Mas a cúpula chinesa crê que seus antepassados
deveriam levar os louros pela descoberta da América? Em entrevista por
e-mail a Aventuras na História, o representante do Ministério das
Comunicações da China, Yang Xiong, disse: “Essa é uma questão que ainda
precisa ser muito discutida”.
No momento, o governo chinês parece mais interessado em explorar o
aspecto cultural das viagens do século 15, que teriam tido o mérito de
aproximar civilizações distantes. “Em vez de ocupar territórios,
construir fortalezas e procurar tesouros, Zheng He e seus homens
trataram outros países com amizade”, afirma Xu Zuyuan, assessor do
Ministério das Comunicações. “Achamos que o legado das viagens de Zheng
He para o oeste é que um crescimento pacífico é o resultado inevitável
da história da China.”
Para o historiador Xi Congfei, da Universidade de Wuhan, na China, as
viagens não eram tão pacíficas. “Cerca de 80% dos homens das frotas
eram militares, que tanto serviam de segurança da frota como de modo de
intimidação às outras nações”, diz ele. Os chineses pretendiam
estabelecer mais rotas comerciais com os países asiáticos e também
cobrar impostos de um maior número de nações. Algumas vezes, a coerção
era tão grande que acabava em sangue. Foi o que aconteceu na Sumatra, em
1407, quando os homens de Zheng He mataram 5 mil pessoas em violento
combate marítimo. “Nem todos os governantes aceitavam as condições
impostas pela China. É um engano pensar que as expedições tivessem
apenas aspectos amistosos e culturais”, diz Wade.
Para Gavin Menzies, se o caminho iniciado pelo imperador Zhu Di
tivesse sido levado adiante pelos líderes que se seguiram, é provável
que a China tivesse se tornado uma potência colonialista. “Mas, na época
em que ocorreu, os chineses não tinham projeto de ocupar e explorar
outras terras e pouco impacto provocavam por onde passavam, onde não
ficavam por períodos maiores que algumas semanas”, diz Menzies.
E no Brasil? No Brasil, nem isso. Não há indícios da passagem dos
chineses por aqui. “Mesmo que os chineses tivessem estado no Brasil
antes de Colombo, as conseqüências disso seriam quase nulas”, diz
Menzies. Os portugueses, depois de chegarem ao Brasil, criaram um
sistema de colonização para abastecer Portugal de cana-de-açúcar e gerar
renda. A partir daí, começaram o povoamento. “Os chineses nem sequer
sonhavam com um empreendimento do gênero.”
Para Mario Sproviero, quer tenham sido os chineses, quer outro povo
qualquer, o que conta é a chegada dos europeus no século 16, porque eles
desenvolveram um projeto para a América. “Mas a curiosidade do homem
vai mais longe, e como a descoberta da América em parte permanece um
mistério, não vamos sossegar enquanto não soubermos bem mais sobre esse
assunto”, diz o historiador Geoff Wade. Para Gavin Menzies e outros
interessados no tema, é apenas o início de uma grande aventura – tão
emocionante quanto a de Zheng He e de sua poderosa frota, que permanecem
vivos na memória de ambos os lados do Atlântico.
A grande viagem
As rotas que, segundo Menzies, Zheng He e seus amigos seguiram
Descobrindo a América
A frota se dividiu ao deixar o porto de Sumatra, no Índico. Foi a
esquadra comandada por Zhou Wen que, depois de contornar a África e
aportar em Cabo Verde, teria chegado à América, onde hoje fica a ilha de
Guadalupe. Depois teriam feito a rota inversa para casa
Antártida
Comandados por Hong Bao, cerca de 30 barcos se separaram da frota
principal em Cabo Verde, chegando à América do Sul (onde hoje é a
Guiana) e costeando o Brasil até a Patagônia. De lá, Antártida e
Austrália, antes de chegar a Pequim
Pertinho do Pólo Norte
Depois de contornar os Estados Unidos, parte da frota comandada por
Zhou Wen teria navegado entre as geleiras da Groenlândia e do Círculo
Polar Ártico, dado uma passadinha no Japão e sido a última a voltar
Estreito “Man”
Zhou Man comandou a esquadra que teria chegado ao Pacífico pelo estreito
de Magalhães, uma das rotas marítimas mais perigosas do mundo. Sua
frota teria navegado ainda na Oceania e estado na costa da Califórnia e
México
Quem chegou primeiro?
Na Escandinávia, as crianças aprendem que o descobridor da América
foi Leif Ericson, um norueguês que chegou ao Canadá no século 11. Lá ele
é um herói com direito a estátua em praça pública e retrato nos livros
escolares.
O livro A História da Islândia, de Ari, o Aprendiz (1067-1148), já
fazia menção a uma tal Wineland, uma próspera colônia do outro lado do
mar gelado. Em 1965, na ilha de Anse aux Meadows, no Canadá, arqueólogos
encontraram um conjunto de construções e artefatos do século 11,
indícios da presença viking na América.
Os livros escolares em Portugal também mudaram os capítulos
referentes à descoberta do Brasil. Em 1998, o historiador português
Jorge Couto, da Universidade de Lisboa, publicou Construção do Brasil,
onde afirma que quem descobriu o Brasil não foi Cabral, mas Duarte
Pacheco. Segundo Couto, em 1498, dom Manuel I mandou que Pacheco
navegasse ao sul da rota de Colombo para ver se encontrava alguma coisa.
Partindo de Cabo Verde, ele encontrou, sim: o norte do Brasil.
“Em Portugal, os principais historiadores não têm dúvidas de que
Duarte Pacheco chegou ao Brasil antes de Cabral”, diz José Manoel
Garcia, pesquisador do Centro de Estudos Históricos da Faculdade de
Letras de Lisboa.
No século 20, surgiram várias teorias sobre quem teria chegado primeiro à
América do Sul. Nos anos 50, o antropólogo norueguês Thor Heyderdahl
afirmou que moradores da ilha de Páscoa, vindos da Polinésia, teriam
colonizado o Peru, por volta do ano 800. Ainda hoje são feitas pesquisas
na ilha da Páscoa e no Peru para tentar comprovar a tese.
Diz-que-diz
As principais evidências de Menzies versus a opinião dos especialistas
Mapa de Fra Mauro
Menzies diz que o mapa – que mostra o cabo da Boa Esperança, 30 anos
antes de sua primeira circunavegação – baseia-se nas informações de
Niccolò de‘ Conti, que repassou a Mauro os conhecimentos chineses. O
museólogo italiano Piero Falchetta, que pesquisa o documento há 25 anos,
diz que não é possível comprovar essa teoria. Mas diz: “Como Fra Mauro
soube da existência do cabo da Boa Esperança continua sendo um
mistério”.
Trinta ou 3 mil?
Zheng He erguia monumentos relatando suas viagens, nas principais
cidades da China. Em um deles ele menciona, segundo Menzies, ter
visitado 3 mil lugares. De acordo com o lingüista chinês Wu Luming, do
museu de Taincang, na China, Menzies se confundiu na tradução. “Na
verdade, está escrito que ele foi a 30 lugares. A grafia da época
confunde”, diz. Gol contra.
Zoológico estranho
Mamíferos que só existiam na Patagônia, como o milodon, hoje extinto,
aparecem no livro Registros Ilustrados Chineses de Países Estranhos, de
1430. Darwin encontrou um esqueleto do milodon em uma praia da
Patagônia em 1834 e o levou para Londres, onde foi remontado e ficou
famoso. “Não há explicação para o fato de o milodon aparecer no livro
chinês. Ele poderia existir também na China, mas nunca foram descobertos
ossos do bicho por lá”, afirma o historiador chinês Xi Congfei. Ponto
para Menzies.
Garranchos
Duas pedras seculares com inscrições que estavam parcialmente
enterradas em Cabo Verde estão sendo estudadas, a pedido de Menzies, que
afirma se tratar de escrita chinesa. Porém, os especialistas
contratados pelo próprio Menzies dizem que as inscrições estão muito
apagadas e até agora não puderam decifrá-las.
Entrou água
Menzies alega que uma formação rochosa submersa próximo à costa das
Bahamas, no Caribe, foi um porto chinês no século 15. As rochas formam
dois corredores paralelos da praia até 400 metros mar adentro. John
Gifford, especialista em ciências marítimas da Universidade de Miami,
diz que são formações naturais. “Pesquisamos essas rochas há 30 anos e
jamais encontramos indícios de atividade humana. Publicamos em 1980 um
estudo sobre os eventos geológicos responsáveis por essas formações, que
saiu até na National Geographic. Talvez o senhor Menzies tenha tomado
conhecimento dele”, diz Gifford.
Mundo da lua
Um antigo observatório em Newport, em Rhode Island, teria sido
construído pelos chineses. Menzies não tem nenhuma prova e só diz isso
porque era “típico dos navegadores chineses erguer observatórios
estelares para auxiliá-los na navegação”. Segundo John Gifford, a
construção é comprovadamente obra dos espanhóis. “As plantas do prédio
ainda existem e pertencem ao Museu Naval de Newport”, diz. Menzies
admitiu tirar essa afirmação da próxima edição de seu livro.
Saiba mais
Livros
1421 – The Year China Discovered America Gavin Menzies, Harper
Collins, 2002 - Íntegra das teses de Menzies. Algumas refutadas por
especialistas serão retiradas nas próximas edições
When China Ruled the Seas, Louise Levathes, Oxford University Press,
1996 - Jornalista americana, que colaborou durante 10 anos para a
National Geographic, faz um saboroso relato sobre as viagens de Zheng
He. Nada sobre a viagem para a América
Fonte: http://guiadoestudante.abril.com.br