Por Marcelo Ferroni
"Colombo ficou com a fama de ter descoberto a América, mas
outros europeus estiveram no continente 500 anos antes dele."
Quem descobriu a América?
Todo estudante sabe a resposta de cor: o navegante genovês Cristóvão Colombo
desembarcou em uma ilhota da América Central no dia 12 de outubro de 1492.
Desde então, europeus de várias latitudes atravessaram o Atlântico, invadiram
o continente, mataram-se uns aos outros e aos moradores originais, tomaram
conta e moldaram à sua vontade o que viram. Mas os livros de História
muitas vezes se esquecem de mencionar que, antes de Colombo, outros europeus
se aventuraram pelo Atlântico atrás de terras desconhecidas. Por volta
do ano 1000, os vikings estiveram na costa canadense e chegaram a levantar
assentamentos.
Não há dúvidas sobre isso. Ruínas descobertas na década de 60 por um casal de arqueólogos noruegueses, Helge e Anne Ingstad, comprovaram a presença de representantes dos vikings, conhecidos no restante da Europa como um povo bárbaro que aterrorizou a po pulação do que hoje é a Grã-Bretanha, França, Alemanha e norte da Espanha. As andanças dos vikings pelo Atlântico Norte não devem ser esquecidas, mas não tiram de Colombo o título de descobridor europeu do Novo Mundo.
"O que se considera em História não é só o descobrimento, mas a colonização", afirma Leandro Karnal, professor de História da América da Universidade Estadual de Campinas. "É a colonização que produz História, trágica ou não."
Não há dúvidas sobre isso. Ruínas descobertas na década de 60 por um casal de arqueólogos noruegueses, Helge e Anne Ingstad, comprovaram a presença de representantes dos vikings, conhecidos no restante da Europa como um povo bárbaro que aterrorizou a po pulação do que hoje é a Grã-Bretanha, França, Alemanha e norte da Espanha. As andanças dos vikings pelo Atlântico Norte não devem ser esquecidas, mas não tiram de Colombo o título de descobridor europeu do Novo Mundo.
"O que se considera em História não é só o descobrimento, mas a colonização", afirma Leandro Karnal, professor de História da América da Universidade Estadual de Campinas. "É a colonização que produz História, trágica ou não."
A odisséia viking
já era conhecida dos europeus por duas sagas ou lendas antigas dos povos
escandinavos compostas nos séculos 13 e 14. Elas narram a história de
dois navegadores nórdicos, Eric, o Ruivo, e seu filho Leif Ericsson, e
a chegada à Groenlândia e à América. Eric, o Ruivo, não era o que se poderia
chamar um cidadão benquisto, mesmo entre os belicosos povos vikings. Foi
expulso da Noruega e, em seguida, da Islândia, entre os anos de 985 e
986 por causa dos massacres que costumava promover. Degredado com seu
bando, o navegador tomou o rumo oeste e acabou batendo na ponta mais ao
sul da Groenlândia. Foi dali que saiu a expedição que chegaria à América
15 anos depois.
A segunda parte da
travessia, contam as sagas, foi realizada por Leif, o segundo dos três
filhos de Eric. Ele aventurou-se mais ao sul, seguindo a corrente do Labrador
até chegar ao que é hoje a Terra Nova, no Canadá. A costa recém-descoberta
foi batizada de Vinland. No dialeto viking, a palavra pode ter sido sugerida
pelas videiras selvagens e solos férteis que então existiam na região.
"Não se sabe se Vinland era o mesmo sítio descoberto pelo casal de arqueólogos
na costa canadense", conta o histori ador Leandro Karnal. Mas a colonização
do continente não foi adiante. Acredita-se que Leif manteve durante três
anos uma comunidade chamada Leifsbudir. Depois disso, um mercador islandês
chamado Thorfinn Karlsefni esteve na Groenlândia, casou-se com a cunhada
viúva de Leif e obteve permissão para continuar viagem até o Canadá com
outros colonos. Isso ocorreu por volta de 1010. A comunidade sobreviveu
com seus novos habitantes por mais dois anos.
Inferno na terra
Inferno na terra
Antigo
assentamento viking em L'Anse-aux-Meadows
Depois disso, não
se sabe mais nada. Mas imagina-se que o contato dos nórdicos com os habitantes
locais tenha sido, digamos, longe de harmonioso. Quando os vikings pisaram
no Novo Mundo, encontraram tribos que já habitavam a região e, como eles,
dotada s de uma cultura naturalmente agressiva. Ao contrário do que ocorreu
durante a colonização espanhola, foi a vez das tribos americanas mostrarem
sua força.
Se não há provas materiais desse confronto, existem os relatos nas sagas vikings. Para começar, os colonizadores chamavam seus novos vizinhos de skraelingar, no dialeto viking uma palavra com muitos significados, quase todos pejorativos. Para alguns historiadores, quer dizer estrangeiro; para outros, pessoas miseráveis ou doentias.
Pois esses "estrangeiros doentios" devem ter acabado com o paraíso viking naquele pedaço de terra. "Não sabemos como os povos locais se autodenominavam", diz John Hale, arqueólogo da Universidade de Louisville especialista em vikings. "Mas sua cultura em alguns aspectos parece ser ancestral à dos modernos inuits (habitantes do norte do Canadá) e dos esquimós." Seja como for, parece claro que houve combates entre europeus e índios. "Afinal, os vikings brigavam com todo o mundo", comenta Karnal. "É verossímil que isso tenha acontecido, ainda mais considerando como eles chamavam os índios."
Baseado nas sagas nórdicas, Hale levanta a hipótese de que tenha havido brigas violentas entre os próprios colonos, potencializadas pelo isolamento de Vinland do resto do mundo viking. Naquela época, a expansão dos nórdicos na Europa começava a perder força. "A explosão populacional na Escandinávia, que gerou a colonização de partes da Rússia, Finlândia, França e Ilhas Britânicas, não era mais a mesma", conta Hale.
Segundo o historiador, depois do ano 1000, os colonos da Islândia e da Groenlândia não produziram mais as imensas famílias que obrigaram a ida a outros continentes e originaram a iniciativa de colonização da América.
Se não há provas materiais desse confronto, existem os relatos nas sagas vikings. Para começar, os colonizadores chamavam seus novos vizinhos de skraelingar, no dialeto viking uma palavra com muitos significados, quase todos pejorativos. Para alguns historiadores, quer dizer estrangeiro; para outros, pessoas miseráveis ou doentias.
Pois esses "estrangeiros doentios" devem ter acabado com o paraíso viking naquele pedaço de terra. "Não sabemos como os povos locais se autodenominavam", diz John Hale, arqueólogo da Universidade de Louisville especialista em vikings. "Mas sua cultura em alguns aspectos parece ser ancestral à dos modernos inuits (habitantes do norte do Canadá) e dos esquimós." Seja como for, parece claro que houve combates entre europeus e índios. "Afinal, os vikings brigavam com todo o mundo", comenta Karnal. "É verossímil que isso tenha acontecido, ainda mais considerando como eles chamavam os índios."
Baseado nas sagas nórdicas, Hale levanta a hipótese de que tenha havido brigas violentas entre os próprios colonos, potencializadas pelo isolamento de Vinland do resto do mundo viking. Naquela época, a expansão dos nórdicos na Europa começava a perder força. "A explosão populacional na Escandinávia, que gerou a colonização de partes da Rússia, Finlândia, França e Ilhas Britânicas, não era mais a mesma", conta Hale.
Segundo o historiador, depois do ano 1000, os colonos da Islândia e da Groenlândia não produziram mais as imensas famílias que obrigaram a ida a outros continentes e originaram a iniciativa de colonização da América.
Dúvidas históricas
A história contada acima é o que se acredita tenha acontecido. Mas há muitas interpretações sobre os fatos. O professor Alan Macpherson, da Universidade Memorial da Terra Nova, no Canadá, conta, por exemplo, que as mesmas sagas que falam da aventura de Leif, referem-se também a uma viagem à América anterior àquela protagonizada pelo filho do degredado. Leif pode ter sido precedido por Bjarni Herjolfsson, um mercador que navegava entre a Islândia e a Noruega. "A viagem de Bjarni, em 986, foi um feito m uito maior que a de Leif, mas tem sido denegrida ou ignorada com freqüência", contou Macpherson a Galileu. O professor também não concorda com a denominação de vikings para os que chegaram à América. Para ele, os vikings não eram um grupo étnico. "Ele s eram identificados entre os nórdicos como os saqueadores marítimos que atacavam as partes mais civilizadas e cristãs da Europa."
Para os historiadores, a travessia por mares gelados é mais importante que a colonização em si. É considerada um marco de navegação, em uma região perigosa como o Atlântico Norte. Mas o arqueólogo Peter Pope, também da Universidade da Terra Nova , diz que os nórdicos cruzaram o oceano diversas vezes. Considerando a tecnologia de embarcações da época, acredita ele que o feito não era extraordinário. Para Macpherson, "Leif Ericsson estava retraçando a viagem de Bjarni Herjolfsson de 986".
Seja como for, os historiadores concordam que a colonização não mudou a história da América. A glória da descoberta ainda é de Cristóvão Colombo. Depois de uma viagem atribulada que durou dois meses e à beira de um motim, o navegador genovês e seus mar inheiros finalmente avistaram terra. Que pedaço de terra era aquele e qual a primeira ilha avistada pelos europeus, ainda é tema de grande disputa.
Acredita-se que Colombo tenha pisado primeiro na ilha de São Salvador, ou Watling. Em seguida, as embarcações Santa Maria, Pinta e Niña seguiram caminho, em busca do que os navegantes imaginavam ser a ilha de Cipango (atual Japão). Colombo acreditava ter chegado ao Oriente pelo oeste, dando a volta ao mundo. Não sabia que tinha descoberto um novo continente.
A história contada acima é o que se acredita tenha acontecido. Mas há muitas interpretações sobre os fatos. O professor Alan Macpherson, da Universidade Memorial da Terra Nova, no Canadá, conta, por exemplo, que as mesmas sagas que falam da aventura de Leif, referem-se também a uma viagem à América anterior àquela protagonizada pelo filho do degredado. Leif pode ter sido precedido por Bjarni Herjolfsson, um mercador que navegava entre a Islândia e a Noruega. "A viagem de Bjarni, em 986, foi um feito m uito maior que a de Leif, mas tem sido denegrida ou ignorada com freqüência", contou Macpherson a Galileu. O professor também não concorda com a denominação de vikings para os que chegaram à América. Para ele, os vikings não eram um grupo étnico. "Ele s eram identificados entre os nórdicos como os saqueadores marítimos que atacavam as partes mais civilizadas e cristãs da Europa."
Para os historiadores, a travessia por mares gelados é mais importante que a colonização em si. É considerada um marco de navegação, em uma região perigosa como o Atlântico Norte. Mas o arqueólogo Peter Pope, também da Universidade da Terra Nova , diz que os nórdicos cruzaram o oceano diversas vezes. Considerando a tecnologia de embarcações da época, acredita ele que o feito não era extraordinário. Para Macpherson, "Leif Ericsson estava retraçando a viagem de Bjarni Herjolfsson de 986".
Seja como for, os historiadores concordam que a colonização não mudou a história da América. A glória da descoberta ainda é de Cristóvão Colombo. Depois de uma viagem atribulada que durou dois meses e à beira de um motim, o navegador genovês e seus mar inheiros finalmente avistaram terra. Que pedaço de terra era aquele e qual a primeira ilha avistada pelos europeus, ainda é tema de grande disputa.
Acredita-se que Colombo tenha pisado primeiro na ilha de São Salvador, ou Watling. Em seguida, as embarcações Santa Maria, Pinta e Niña seguiram caminho, em busca do que os navegantes imaginavam ser a ilha de Cipango (atual Japão). Colombo acreditava ter chegado ao Oriente pelo oeste, dando a volta ao mundo. Não sabia que tinha descoberto um novo continente.
valor da concha |
Se Cristóvão Colombo tivesse outros interesses além da busca de riquezas e, ao chegar ao Novo Mundo, resolvesse coletar uma simples conchinha depois de ter se ajoelhado, beijado o solo e feito suas preces, a primeira ilha em que o navegador genovês pisou poderia ser conhecida hoje. A idéia partiu de um artigo do paleontólogo e escritor Stephen Jay Gould, descrita em um de seus livros, Leonardo's Mountain of Clams and the Diet of Worms (Harmony Books, 1998, sem edição em português). Ao relatar a chegada dos europeus e a incerteza em descobrir o local exato do primeiro desembarque, Gould parece se deliciar com a descrição de um tipo de concha de um molusco da espécie Cerion, tão comum nas Bahamas que Colombo provavelmente teria se ajoelhado sobre uma ao fazer suas preces. As conchas variam de ilha para ilha na região, o que poderia indicar o local correto de sua origem e denunciar a chegada dos europeus. Aceita-se que o primeiro ponto de desembarque seja a ilha de Watling, nas Bahamas, hoje chamada São Salvador. Mas a primazia de outros pedaços de terra, como as ilhas Cat e Mayaguana, ainda é defendida por alguns historiadores. |
Massacre total
A história continua. Depois de mais três viagens ao novo continente (1493-1496, 1498-1500 e 1502-1504), o navegante genovês caiu em desgraça. O continente que ele descobriu recebeu o nome de América em homenagem a outro navegador, Américo Vespúcio. Mesmo assim, a sua viagem de 1492 abriu caminho para a futura exploração e colonização européia.
"Os espanhóis alteraram a história da América, e essa alteração foi contínua", relata Karnal. "Se outros navegadores estiveram antes por aqui, isso não mudou nada." O que veio depois já podia ser previsto pelos primeiros contatos. Ao contrário dos nativos do norte, que aparentemente souberam se defender muito bem dos estranhos invasores europeus, os habitantes das Bahamas eram tribos pacatas que não eram páreo para os agressivos colonizadores espanhóis. "O genocídio nas ilhas da América Central é o ú nico com ISO 9000", ironiza Karnal. "Nenhum outro conseguiu a eliminação total de um povo como ocorreu nas ilhas. E isso dificulta a compreensão do que houve quando Colombo desembarcou pela primeira vez."
s comemorações do milênio |
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Anote |
Para navegar
Exposição viking Para ler Vikings - The North Atlantic Saga, de William Fitzhugh (editor). Smithsonian Institution Press. 2000 |
Ilustração: Pepe Casals
Ilustrações: mapas, Ronaldo L. Teixeira
Foto: Colombo, Zena
Fonte: http://galileu.globo.com
Mapa: Fontehttp://upload.wikimedia.org/